Lúcidas #8 | bastidores e pensamentos sobre uma voadora de vulnerabilidade na cara
Como foi a experiência Lúcidas no Meca Inhotim
“Como tu tá?” é uma pergunta sobre muita coisa e que eu levo a sério. Escorpiana com ascendente em câncer, culpo os astros quando me convém e sigo a explicação do Edu Conte, amigo e astrólogo: o que te salva de afundar no mergulho eterno dos sentimentos da água com água é a lua em gêmeos, que faz falar, falar, falar e elaborar os dramas a partir disso. Aqui o mistério de escorpião não tem vez. Se alguma coisa me afeta, as pessoas próximas - e nem tão próximas assim - saberão e me ouvirão relatar, questionar, perguntar. Com amigas, colegas de trabalho, semiconhecidas que mandam um “tudo bem?” despretensioso na DM e levam uma resposta sincera - muita amizade na minha vida já começou assim.
Mas eu também às vezes me sinto como a amiga abaixo, cansada demais pra falar ou querendo um tempo pra elaborar um pouco mais o que tá passando aqui dentro.
Eu fiquei assim na volta do Meca Inhotim, festival que ocupa o espaço surreal do Instituto Inhotim, museu a céu aberto em Brumadinho (MG), com shows, arte, palestras, encontros. Poucos dias antes do evento, propus fazer algumas experiências de conexão. E eles toparam. Foi lindo, intenso, com aprendizados, emoção, alegria. E difícil. Uma voadora de vulnerabilidade na cara. Passadas duas semanas, me deu vontade de contar pras amigas aqui um pouco mais além das fotos lindas que publicamos.
Além de investigação e conteúdo, o terceira pilar da Lúcidas são as experiências de conexão. Momentos (presenciais ou virtuais) pra gente se juntar e exercitar formas de criar e estreitar vínculos. Refletir, trocar. Foi o que fizemos no evento de Salvador e agora no MECA, pra onde levei uma proposta que chamamos de "Social Fitness na Prática: experiências de conexão para exercitar o músculo da amizade". São atividades criadas a partir do livro The Good Life (A boa vida: lições do estudo científico mais longo do mundo sobre a felicidade), dos pesquisadores de Harvard Robert Waldinger e Marc Schulz. Já falei desse livro por aqui e ainda vou falar bastante porque ele traz evidências científicas sobre a importância de cuidarmos das amizades ao longo da vida, e também propostas simples pra colocar isso em prática.
No festival, propus alguns exercícios pra mulheres fazerem sozinhas em duplas, em 15 ou 30 minutos. Alguns deles:
Inventário de afetos + plano de treino: como quem vai malhar faz uma bioimpedância, o social fitness começa com uma avaliação de como está a saúde da sua rede de relacionamentos. Guiei as participantes para, a partir da metodologia de Harvard, listar os afetos e classificá-los em energizantes, esgotantes, frequentes e infrequentes (matriz abaixo). Depois, criamos missões pra cuidar de cada grupo de relações. Usei a referência do livro e propus algumas ações conforme já contei nesse vídeo da série sobre social fitness.
Como mandamos fazer papel de carta e carimbo da Lúcidas, quem fazia o inventário saía com as principais diretrizes propostas numa espécie de “receituário” (de mentira, óbvio) com as ideias pra por em prática. O livro recomenda refazer essa avaliação pelo menos todo ano, então levar o material pra casa é legal pra ter comparação sobre as evoluções. A ferramenta gera muitos insights. Gente se dando conta que as pessoas mais energizantes são as menos frequentes, gente se dando conta que pessoas que amam muito às vezes são esgotantes… mas o mais importante é a tomada de consciência e pensar no que vamos fazer a respeito. Ou se precismos fazer mesmo (no caso das relações esgotantes mas pouco frequentes, a dica é quase “deixar quieto, não fritar").
Vale autoestima de emergência: mandei fazer cartões impressos pras amigas preencherem com um elogio, uma qualidade, algo que seja importante que elas lembrem e consultem quando a síndrome da impostora bater. Olha que fofo (e poderoso, me disseram as amigas que fizeram o exercício):
Curiosidade radical: essa foi a que mais rendeu. Levei caixinhas com cartas de perguntas pra amigas responderem entre si, se olhando nos olhos. Como me conhecer te impactou? Quando foi a última vez que você foi uma amiga de merda? Como você me vê crescer, por dentro e por fora? Impressionante como mesmo amigas que se conhecem há anos podem ficar impactadas pelo ato de parar, perguntar algo que nunca tinham perguntado, escutar. No livro The Good Life, a curiosidade radical sobre a outra pessoa é indicada como uma grande forma de estreitar vínculos, fugir do automático, criar intimidade. Falando nisso, foi durante a resposta pra pergunta “o que você costumava achar que era garantido mas aprendeu que não é?” que uma participante respondeu: “intimidade. intimidade não é algo que você conquista e ela está ali pra sempre. você pode perder se não cuidar, e eu só aprendi perdendo". Tô com essa frase na cabeça desde lá.
Fiquei com vontade de levar minhas caixinhas pra onde for. E também de criar a nossa caixinha de perguntas da Lúcidas. Essa é uma das primeiras experiências que propus aqui pela newsletter também, quero fazer uma edição online mas ainda não me organizei. Foi tão legal que fiquei afim de retomar essa ideia, quem quiser receber convite preenche o form aqui (quem já preencheu, não precisa).
Ah, então. Eu amei conversar sobre amizade entre mulheres. Apresentar o projeto e escutar o que as pessoas sentiam. Ouvir histórias. Ver gente se emocionando, declarações de amor entre amigas acontecendo e ideias incômodas sendo divididas também (“eu já fui cinzeiro das minhas amigas. a relação mais abusiva que tive foi com uma amiga” - precisamos falar disso). Quando elas estavam sentadas do meu lado, tudo fluía e ouvi retornos muito bonitos de que a experiência valeu. Mas ficar ali convidando as pessoas pra sentarem, observar elas passando sem entender muito bem ou evitando contato visual foi desconfortável. Ontem tentei explicar pra uma amiga assim: “a parte de fazer a experiência eu amo. a parte de chamar a freguesa pra sentar me dá embrulho”. Mesmo que ninguém estivesse pagando nada.
Ao mesmo tempo a mente do palhaço estava a mil. “Que ridícula””ninguém quer parar pra falar no meio de um festival de música”"ninguém entende o que você tá dizendo” “não funciona”. Pra combater esses pensamentos intrusivos, eu escrevia no caderno e lembrava que a maior experiência já era estar ali, me propondo a fazer algo que nunca tinha feito.
Essa news já tem mais de 400 assinantes \o/ e muitas não me conhecem, então vale dizer que Lúcidas nasceu depois da decisão de sair da agência de publicidade onde eu trabalhava há 14 anos. Se já era difícil explicar pra minha mãe o que eu fazia quando era jornalista e depois sócia de agência, imagina agora que toco um projeto independente que mistura jornalismo, desenvolvimento de grupos, conteúdo, pesquisa, experiências. E que não sabe muito bem o que vai ser, embora o sonho seja algo mais ou menos do tamanho de “criar um futuro em que as mulheres priorizem suas amizades e, assim, tenham uma vida com mais cuidado e felicidade”.
Para o segundo dia, refiz alguns materiais, deixei o convite mais claro, me postei bem sorridente na minha banquinha e: ninguém parou. Hahahaahah. Mas eu tinha recebido um abraço em forma de palestra um pouquinho antes da minha experiência começar. O Pedro Garcia, autor do livro Emoção Criativa e apresentador do podcast de mesmo nome, falou que criar a partir do que sentimos e expor nossa autenticidade requer coragem. Que precisamos tentar não pensar que os outros estão nos julgando, ou não dar bola caso estejam. E que esse é "o” caminho pra destravar o fluxo criativo.
Pra ajudar a elaborar mais um pouco, também fiz uma colagem. E levei pra análise. Ninguém disse que era fácil lidar com o drama da água com água.
MECA, obrigada. Amei viver isso, pensar sobre isso e criar sobre isso. Bora pra próxima.
Ainda sobre em levar pra análise e lidar com os sentimentos falando sobre eles, lembrei desse gráfico com as intersecções e diferenças entre conversar com uma amiga ou terapeuta que vi essa semana no canal @igototherapy. A postagem fala sobre a importância de conversarmos com amigos, mas lembra que mesmo quem tem uma boa rede de amigos pode precisar de terapia.
Um beijo,
Lari Magrisso
Fundadora e Editora-chefe
lucidas.cc
“a maior experiência já era estar ali, me propondo a fazer algo que nunca tinha feito”
amei ler isso, manuca ❤️❤️❤️