#5 Lúcidas | o convite é um ato que tem valor por si só
Fazer e aceitar convites têm uma importância enorme na construção das amizades, mas são ações que podem nos deixar vulneráveis, desconfortáveis, ansiosas, frustradas e, dependendo do signo, rancorosas
Fazer e aceitar convites têm uma importância enorme na construção das amizades, mas são ações que podem nos deixar vulneráveis, desconfortáveis, ansiosas, frustradas e, dependendo do signo, rancorosas. Na série sobre social fitness que estamos fazendo no Instagram, descobrimos que os principais exercícios para os músculos da amizade são justamente esses: tomar a iniciativa de convidar alguém pra estar junto e superar a preguiça de aceitar. O significado da palavra convite já dá uma ideia da dificuldade envolvida: solicitar a presença de alguém. A gente não quer pedir que alguém esteja presente, a gente quer que a pessoa simplesmente esteja. A gente não quer parecer que está forçando a barra, ou sugerindo algo nada a ver… e se a pessoa recusar, automaticamente vamos nos sentir inadequadas e rejeitadas, certo? E se eu não quiser dessa vez, mas achar que se disser não, vou magoar minha amiga? E se eu for sempre a amiga que faz os convites, significa que minhas amigas não dão tanto valor?
Acho que tem um monte de coisa aí pra gente desmistificar, e como nada disso é fácil, pedi ajuda de uma especialista em desenhar redes de afeto e construir comunidades. Em um papo delicioso que tive com a designer de conexões Marcelle Xavier, ela trouxe algumas ideias que me fizeram pensar.
O design de conexões é uma disciplina relativamente nova que usa os princípios do design para atuar nas relações e é a base da atuação do Instituo Amuta, criado por Marcelle. Fiz a formação em design de conexões enquanto estava fundando a Lúcidas e me empolguei muito. Vou trazendo aos poucos mais conteúdos e a entrevista completa com Marcelle, que se baseia na pergunta: “é possível desenhar nossa rede de conexões"? - spoiler: sim! A seguir, um pouco do trecho sobre convites da nossa conversa, que rendeu muito mais.
"Nos meus grupos de amigas sou aquela que inventa os rituais, que quer juntar todo mundo. Faço o encontro de Natal, o de Páscoa. Recentemente ouvi de uma pessoa ‘nossa, a sua linguagem do amor é a arte dos convites'. Entendi que dá pra aprender a fazer convites. E para você aprender a fazer convites, acho que a primeira coisa que você tem que internalizar é que você pode receber um não.”
“O convite só é um convite se você entende que você pode receber um não. E você vai receber muitos não. Muitos. E isso muitas vezes é muito frustrante. Isso para mim ainda é um lugar que eu estou incorporando: eu sempre fui a pessoa das minhas amizades que faz mais convite. E depois jogava isso na cara das minhas amigas em algum momento. Que saco! Só eu que faço convite. Se não sou eu pra chamar, a gente não encontra. Pode virar um fardo."
“Um dos nossos grandes problemas é o estigma de que se tem alguém tentando ser mais nossa amiga e nos convidando para fazer coisas é porque ela é carente. Ao invés de você olhar para o convite como ‘ah, ela é carente, ela é fracassada, ela está nos convidando', podemos pensar ‘nossa, olha que poderosa essa pessoa que tem a capacidade de fazer convites'. Então eu tendo a olhar cada vez mais para isso. É tão gostoso ter alguém na minha rede que eu sei que vai fazer convites.
“E o que eu tô tentando entender cada vez mais é que, primeiro, quando você faz um convite, ele já tem valor por si só. Porque ele comunica pras pessoas, um, que você se importa com elas, que você se importa com aquela relação. E dois, você comunica pra elas quase como se assim, que bom que tem alguém na minha rede que tá fazendo o convite.”
Lembrar que o convite é um ato que tem valor por si só, mesmo que ninguém aceite, me explodiu um pouco a cabeça. Lembrei da minha relação com uma amiga que é baseada em uma fazer um convite, a outra não poder aceitar por algum motivo, aí essa segunda faz outro convite pra primeira, que também não pode, e assim estamos levando há quase um ano. Outra pessoa poderia encher o saco e desistir, ou concluir que não estamos nos priorizando, mas a gente ri e tem certeza que uma hora vai sair. A cada convite, sentimos que uma lembrou da outra, falamos como estamos, nos sentimos perto de alguma forma. E, por via das dúvidas, já compramos um show em outubro pra garantir.
Acho que o medo de receber não para os convites que queremos fazer só pega pra gente. Certeza que não bate naquelas amigas mais interessantes e que conhecem todo mundo. Aquelas amigas tipo a Cris Bartis, podcaster bem relacionada, bem informada, bem vestida, amigas que são a alma da festa, nem pensam nisso, né?
Eu abri um sorrisão quando recebi o convite pro aniversário dela e gargalhei pra trás quando a Cris disse que tava com medo que não aparecesse ninguém. Sério, você olhava ao redor e via umas 150 pessoas reluzentes, interessantes e evidentemente felizes por festejar a Cris. Como assim medo de que ninguém aparecesse? Fui assuntar.
“Esse episódio me promoveu várias reflexões. Minha família é testemunha de Jeová e isso quer dizer que não se comemora aniversário, Natal, ano novo e festa junina. Então cresci sem cultura de promover festas. Mas eu saí cedo de casa e, como grande revoltada, a primeira coisa que fiz foi comprar uma árvore de Natal hahahah.
E toda vez que invento de promover encontros eu acho que ninguém vai. É MUITO desconfortável fazer isso. Mas eu acho que eu curto o desconforto porque gosto mais de festas do que dele. Eu tenho um quadro em casa que chama: coragem é o medo andando. E acho que é isso, um medo que nem quer mais andar, quer dançar :)” Apenas maravilhosa.
E quando a gente recebe um convite e não quer aceitar, mas também não quer magoar a amiga? Nas minhas amizades mais saudáveis hoje, a gente consegue dizer e ouvir “prefiro não” (beijo, Maíra, beijo Bartleby) sem maiores dramas. Mas muitas vezes já preferi inventar uma mentirinha do bem ou achei que precisaria de uma justificativa boa o bastante pra recusar. Pensando nisso, fiz esses cards pra gente exercitar o não enquanto frase completa. Me conta como essa ideia bate pra você? Consegue falar uma dessas frases sem emendar uma desculpa?
Em tempo 2: falamos muito sobre naturalizar o não, mas se desafiar um pouco a fazer algo que a gente nem faria, vencer a preguiça e aceitar convites das amigas também é essencial pra gente manter o social fitness em dia. Vale uma avaliação sobre como está essa dinâmica. Me conta?
No último fim de semana fizemos com muito frio na barriga o convite pra nossa primeira experiência, que rolou em Salvador. Estamos absorvendo e vou voltar com o que rolou, o que aprendemos e o que sentimos. Foi lindo!
Lari Magrisso
Fundadora e editora-chefe
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